terça-feira, 1 de abril de 2014

POBRE SIM, POBRE NÃO !


Por Pe. Valdiran Santos







Eis a questão que se impõe e merece uma reflexão. Para muitas pessoas dentro da Igreja, falar de pobre, e em pobre é mera ideologia. Entretanto, a Sagrada Escritura põe a categoria pobre no centro da História da Salvação. O Primeiro Testamento é recheado de acontecimentos relacionados aos pobres, os anawis - pobres de Javé, pelos quais, Deus tem um carinho e uma preocupação especiais. Basta ler o texto de Ex 3 e os Profetas, todos eles tomam a defesa dos pobres de uma forma espantosa, uns se destacam mais de que outros, porém, todos mostram a predileção de Deus pelos mais sofridos e abandonados da sociedade.

Bom seria citar todas as passagens bíblicas referentes ao pobre, no entanto, é praticamente impossível pela abundância de textos. Limito-me a citar apenas alguns: “Ele ergue da poeira o fraco e tira do lixo o indigente, fazendo-o sentar-se com os príncipes, ao lado dos príncipes do seu povo.” (Sl 113,7-8); “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos.” (Is 10, 1-2); “Assim diz Javé: por três crimes de Israel e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sandálias; pisoteiam os fracos no chão e desviam os pobres do bom caminho.” (Am 2,6-7); “Inimigos do bem e amantes do mal, vocês esfolam o povo e descarnam seus ossos; vocês são gente que devoram a carne do meu povo e o esfola; quebra seus ossos e os faz em pedaços, como carne na panela, como um cozido no caldeirão.” (Mq 3,2-3).

Creio que esses textos sejam suficientes para entendermos como Deus se coloca ao lado dos pobres. Em hebraico existe a palavra Go’el que significa: Deus é o resgatador do pobre. Daí a riqueza do profetismo de Israel, na denúncia das injustiças, e na cobrança dos poderosos, dos direitos e da dignidade dos pobres.

Jesus segue a mesma linha dos Profetas de Javé, porém de forma mais radical, pois não só toma o partido dos pobres e a sua defesa, mas faz-se pobre ao extremo: “Vocês conhecem a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo; ele, embora fosse rico, se tornou pobre por causa de vocês, para com a sua pobreza enriquecer vocês.” (2Cor 8,9); “Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo.’ (Fl 2,7). Jesus nasceu mais pobre de que os pobres de seu tempo! Viveu entre os mais excluídos e abandonados pelos sistemas político, religioso, social e econômico. Morreu fora da cidade como um amaldiçoado por Deus. Eis a opção radical pelos pobres!

No meio dos pobres, Jesus encontrava o lugar privilegiado da sua missão messiânica: “Nessa hora, Jesus se alegrou no Espírito Santo, e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10,21; Mt 11,25). Jesus orientou a Igreja para cuidar dos pobres, uma vez que eles estão entre nós, e neles Jesus se faz misteriosamente presentes: “Vocês sempre tem os pobres junto de vocês.” (Jo 12,8); o Juízo final, (Mt 25,31-46); o Bom Samaritano, (Lc 10,25-37); o Banquete para os pobres, (Mt 22,2-14; Lc 14,16-24).

A Igreja primitiva, seguindo o exemplo do seu Senhor, não se omitiu em servir e ajudar os pobres: “As orações e esmolas que você fez foram aceitas por Deus em seu favor.” (At 10,4); “A Macedônia e a Acaia resolveram fazer uma coleta em favor dos cristãos pobres de Jerusalém.” (Rm 15,26; 2Cor 8,1-6); “Eles pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado fazer com muito cuidado.” (Gl 2,10);  “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição e manter-se livre da corrupção mundo.” (Tg 1,27); “Se alguém possui os bens deste mundo e, vendo o seu irmão em necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele?” (1Jo 3,17); “Felizes os  mortos, aqueles que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham.” (Ap 14,13).



A Sagrada Tradição da Igreja, vê no pobre, a pessoa de Cristo, o servo sofredor. Por isso, todo cuidado e carinho que a Igreja tem, ao longo dos séculos com os pobres e excluídos: "O pão que para ti sobra é o pão do faminto. A roupa que guardas mofando é a roupa de quem está nu. Os sapatos que não usas são os sapatos dos que andam descalços. O dinheiro que escondes é o dinheiro do pobre. As obras de caridade que não praticas são outras tantas injustiças que cometes. Quem acumula mais que o necessário pratica crime." (São Basílio, 330-379); "Feliz aquele que põe acima de todos os tesouros do mundo a ordem de Jesus: 'Vai, vende o que tens e dá aos pobres.'" (São Basílio, 330-379); "Jesus não nasceu no lugar sagrado do Templo, onde o ouro, as pedras preciosas e a prata reluziam; ele nasceu numa estrebaria, para reerguer os que jazem no meio do esterco." (São Jerônimo, 331-419; Homilia sobre o Natal); "As riquezas são injustas porque são fruto da miséria dos outros." (São Jerônimo, 331-419); "A solidariedade com o pobre é lei de Deus, não um mero conselho." (São Gregório de Nissa, 335-385); "Nabot não foi o único pobre assassinado. Todo dia um Nabot cai ao solo; todo dia um Nabot é assassinado...
Tu não estás dando ao pobre o que é teu, mas lhe devolves o que é dele. Pois o que é comum e foi dado a todos, tu o estás usurpando sozinho. A terra pertence a todos e não apenas aos ricos. Infelizmente, são pouquíssimo os que podem usufruir a terra." (Santo Ambrósio, 339-397, Comentário a 1Reis 21); "Tu vais participar da eucaristia? Então, não humilhes teu irmão. Não desprezes o faminto... Tu fazes memória de Cristo e desprezas o pobre? Tu não ficas horrorizado? Bebeste o Sangue do Senhor e não reconheces teu irmão? Ainda que o tenhas desconhecido antes, deves reconhecê-lo nesta mesa... Tu, que recebeste o pão da vida, não faças obra de morte." (São João Crisóstomo, 344-407; Comentário a 1Coríntios 11,17-34); “Tu, que revestes tua cama de prata e de ouro o teu cavalo, se te pedirem conta e explicações de tanta riqueza, que razão alegarás? Quando tu já estiverdes morto, as pessoas que passarem diante de teu palácio, vendo o tamanho e o luxo, dirão ao seu vizinho: 'ao preço de quantas lágrimas foi edificado este palácio? De quantos órfãos deixados nus? De quantas viúvas injustiçadas? De quantos operários espoliados de seu salário?' Sim, nem morto escaparás das acusações." (São João Crisóstomo, 344-407; Comentário ao Salmo 49); "A ajuda aos pobres é mais importante que o jejum e a virgindade, pois abraça o povo de Jesus Cristo." "Como tu, rico, que acumulaste tua riqueza pisando sobre o pobre, ainda tens a coragem de entrar na Igreja?" (São João Crisóstomo, 344-407); "Justiça é ajudar aos necessitados. Exercei a justiça e terás a paz!" (Santo Agostinho, 354-430).

O pobre é sem dúvida, o lugar teológico da revelação de Deus em Jesus Cristo. Por isso, a Igreja, jamais abandonará os pobres e deserdados da terra. Isso não se trata de ideologia, mas de vivência radical do Evangelho. Pois “Eu garanto a vocês: Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram.” (Mt 25,40).

“Quando eu ia confessar, eu muitas vezes colocava esta questão: ‘Você dá esmolas?’ ‘Sim, padre’ ‘Ah, muito bem, muito bem’ E perguntava ainda outras coisas: ‘Me diga, quando você dá esmolas, será que você olha nos olhos daquele a quem você doa?’ ‘Ah, não sei, não me dei conta disso’ Segunda pergunta: ‘E, quando dá esmola, toca a mão daquele a quem está dando a esmola, ou lhe joga a moeda?’ Este é o problema, a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, carregar os ombros esta dor.” (Papa Francisco)

“Desejo uma Igreja pobre, com os pobres, nas periferias. A Igreja precisa curar todas as feridas, aquecer os corações dos fiéis, estar próxima do povo e com os pobres e ser como o bom samaritano”. (Papa Francisco)

“Quem toca no pobre, no doente, no aflito, toca a carne de Cristo. Jesus se fez carne no pobre”.  (Papa Francisco)

“Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e estruturas econômicas injustas, que originam as grandes desigualdades.” (Papa Francisco)

“Os alimentos que se joga no lixo são alimentos que se roubam da mesa do pobre, do que tem fome.” (Papa Francisco)

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.” (Dom Hélder Câmara)

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