segunda-feira, 28 de abril de 2014

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE PAPA FRANCISCO - PARTE XII

SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ATUAL
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS




Desafios da inculturação da fé

68. O substrato cristão dalguns povos – sobretudo ocidentais – é uma realidade viva. Aqui encontramos, especialmente nos mais necessitados, uma reserva moral que guarda valores de autêntico humanismo cristão. Um olhar de fé sobre a realidade não pode deixar de reconhecer o que semeia o Espírito Santo. Significaria não ter confiança na sua acção livre e generosa pensar que não existem autênticos valores cristãos, onde uma grande parte da população recebeu o Baptismo e exprime de variadas maneiras a sua fé e solidariedade fraterna. Aqui há que reconhecer muito mais que «sementes do Verbo», visto que se trata duma autêntica fé católica com modalidades próprias de expressão e de pertença à Igreja. Não convém ignorar a enorme importância que tem uma cultura marcada pela fé, porque, não obstante os seus limites, esta cultura evangelizada tem, contra os ataques do secularismo actual, muitos mais recursos do que a mera soma dos crentes. Uma cultura popular evangelizada contém valores de fé e solidariedade que podem provocar o desenvolvimento duma sociedade mais justa e crente, e possui uma sabedoria peculiar que devemos saber reconhecer com olhar agradecido.
 
69. Há uma necessidade imperiosa de evangelizar as culturas para inculturar o Evangelho. Nos países de tradição católica, tratar-se-á de acompanhar, cuidar e fortalecer a riqueza que já existe e, nos países de outras tradições religiosas ou profundamente secularizados, há que procurar novos processos de evangelização da cultura, ainda que suponham projectos a longo prazo. Entretanto não podemos ignorar que há sempre uma chamada ao crescimento: toda a cultura e todo o grupo social necessitam de purificação e amadurecimento. No caso das culturas populares de povos católicos, podemos reconhecer algumas fragilidades que precisam ainda de ser curadas pelo Evangelho: o machismo, o alcoolismo, a violência doméstica, uma escassa participação na Eucaristia, crenças fatalistas ou supersticiosas que levam a recorrer à bruxaria, etc. Mas o melhor ponto de partida para curar e ver-se livre de tais fragilidades é precisamente a piedade popular.

70. Certo é também que, às vezes, se dá maior realce a formas exteriores das tradições de grupos concretos ou a supostas revelações privadas, que se absolutizam, do que ao impulso da piedade cristã. Há certo cristianismo feito de devoções – próprio duma vivência individual e sentimental da fé – que, na realidade, não corresponde a uma autêntica «piedade popular». Alguns promovem estas expressões sem se preocupar com a promoção social e a formação dos fiéis, fazendo-o nalguns casos para obter benefícios económicos ou algum poder sobre os outros. Também não podemos ignorar que, nas últimas décadas, se produziu uma ruptura na transmissão geracional da fé cristã no povo católico. É inegável que muitos se sentem desiludidos e deixam de se identificar com a tradição católica, que cresceu o número de pais que não baptizam os seus filhos nem os ensinam a rezar, e que há um certo êxodo para outras comunidades de fé. Algumas causas desta ruptura são a falta de espaços de diálogo familiar, a influência dos meios de comunicação, o subjectivismo relativista, o consumismo desenfreado que o mercado incentiva, a falta de cuidado pastoral pelos mais pobres, a inexistência dum acolhimento cordial nas nossas instituições, e a dificuldade que sentimos em recriar a adesão mística da fé num cenário religioso pluralista.
 
 
Desafios das culturas urbanas

71. A nova Jerusalém, a cidade santa (cf. Ap 21, 2-4), é a meta para onde peregrina toda a humanidade. É interessante que a revelação nos diga que a plenitude da humanidade e da história se realiza numa cidade. Precisamos de identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efectuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam tacteando, de maneira imprecisa e incerta.

72. Na cidade, o elemento religioso é mediado por diferentes estilos de vida, por costumes ligados a um sentido do tempo, do território e das relações que difere do estilo das populações rurais. Na vida quotidiana, muitas vezes os citadinos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido religioso. Precisamos de o contemplar para conseguirmos um diálogo parecido com o que o Senhor teve com a Samaritana, junto do poço onde ela procurava saciar a sua sede (cf. Jo 4, 7-26).

73. Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas outras linguagens, símbolos, mensagens e paradigmas que oferecem novas orientações de vida, muitas vezes em contraste com o Evangelho de Jesus. Uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade. O Sínodo constatou que as transformações destas grandes áreas e a cultura que exprimem são, hoje, um lugar privilegiado da nova evangelização. Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas. Os ambientes rurais, devido à influência dos mass-media, não estão imunes destas transformações culturais que também operam mudanças significativas nas suas formas de vida.

74. Torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. É necessário chegar aonde são concebidas as novas histórias e paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das cidades. Não se deve esquecer que a cidade é um âmbito multicultural. Nas grandes cidades, pode observar-se uma trama em que grupos de pessoas compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes, constituindo-se em novos sectores humanos, em territórios culturais, em cidades invisíveis. Na realidade, convivem variadas formas culturais, mas exercem muitas vezes práticas de segregação e violência. A Igreja é chamada a ser servidora dum diálogo difícil. Enquanto há citadinos que conseguem os meios adequados para o desenvolvimento da vida pessoal e familiar, muitíssimos são também os «não-citadinos», os «meio-citadinos» ou os «resíduos urbanos». A cidade dá origem a uma espécie de ambivalência permanente, porque, ao mesmo tempo que oferece aos seus habitantes infinitas possibilidades, interpõe também numerosas dificuldades ao pleno desenvolvimento da vida de muitos. Esta contradição provoca sofrimentos lancinantes. Em muitas partes do mundo, as cidades são cenário de protestos em massa, onde milhares de habitantes reclamam liberdade, participação, justiça e várias reivindicações que, se não forem adequadamente interpretadas, nem pela força poderão ser silenciadas.

75. Não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de encontro e solidariedade, transforma-se muitas vezes num lugar de retraimento e desconfiança mútua. As casas e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e integrar. A proclamação do Evangelho será uma base para restabelecer a dignidade da vida humana nestes contextos, porque Jesus quer derramar nas cidades vida em abundância (cf. Jo 10, 10). O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males urbanos, embora devamos reparar que um programa e um estilo uniformes e rígidos de evangelização não são adequados para esta realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade.
(continua...) 

terça-feira, 15 de abril de 2014

PÁSCOA DO SENHOR


                          
 
 

O que é o Tríduo Pascal ?

 

É o centro e o cume do Ano Litúrgico. Começa com a Missa da Ceia do Senhor, na noite da Quinta-feira Santa, tem seu ponto alto na Vigília Pascal e termina no entardecer do Domingo da Ressurreição. Grosso modo, é a celebração daquilo que Jesus disse em seus anúncios da Paixão. Por exemplo: “ Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem vai ser entregue aos chefes dos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão caçoar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo. E depois de três dias ele ressuscitará ( Mc 10,33-34).

 

O que celebramos na Quinta-feira Santa e qual é a cor litúrgica ?

 

A cor litúrgica da Quinta-feira é branco. Pela manhã, nas catedrais, o Bispo com os Sacerdotes preside a Missa do Crisma. Há duas coisas importantes a serem recordadas.
1 – Esse dia é conhecido como o da instituição do Sacerdócio e da Eucaristia. O Bispo preside a Eucaristia com seus Sacerdotes concelebrantes, manifestando a unidade do seu sacerdócio com o único Sacerdócio de Cristo.
2 – Essa missa é chamada de Missa do Crisma, porque nela são abençoados o óleo dos Catecúmenos e o óleo da Unção dos Enfermos, e o Bispo consagra o óleo do Crisma. Esses óleos são levados para as paróquias e usados na administração dos sacramentos.

 

Ao entardecer, começa o Tríduo Pascal, com a Missa Vespertina da Ceia do Senhor. Nela há o rito do Lava-pés. Em lugar dos Ritos Finais, se faz a Transladação do Santíssimo Sacramento e a adoração. Tiram-se as toalhas do altar.

 

As leituras são sempre as mesmas. Na primeira ( Êxodo, 12,1-8.11-14) recorda-se a Páscoa judaica. A segunda ( 1 Coríntios 11,23-26)  mostra a mais antiga narrativa da instituição da Eucaristia. O Evangelho  ( João 13,1-15) fala do lava-pés, expressão de serviço de Jesus, que se consuma na cruz.

 

O evangelho do lava-pés fala da Eucaristia ?
 

Não. O episódio do Lava-pés só se encontra em João, e é proclamado na Missa Vespertina da Ceia do Senhor, na qual recordamos a instituição do Sacerdócio e da Eucaristia, bem como o mandamento do amor. O evangelho de João não narra a instituição da Eucaristia, como fazem os outros evangelistas. Para esse evangelista, Jesus não celebrou a Páscoa dos judeus. O episódio do Lava-pés acontece dentro de uma ceia de despedida.
Se quisermos, podemos estabelecer a seguinte relação: as três leituras desse dia mostram uma progressão e se completam. Partimos com a Páscoa judaica ( 1ª. Leitura), chegamos à Páscoa de Jesus – a Eucaristia ( 2ª. Leitura ) – e entendemos que a Eucaristia/Páscoa de Jesus é serviço de quem ama até as últimas conseqüências do amor – dar a vida. De fato, o Lava-pés ( evangelho) é apenas o começo do amor que dá a vida. O Lava-pés-serviço termina na cruz ( Sexta- feria Santa ), quando Jesus diz: “ Tudo está consumado”, e entrega o espírito.

 

Por que se desnuda o Altar ?

 

Contemplando o Altar desnudo  ( sem toalhas ), vem à mente uma série de coisas: a partir desse momento até a Vigília Pascal , não haverá missa. A “grande missa” acontece agora no concreto da vida do Cordeiro que vai ser imolado. O Altar sem toalhas recorda Jesus que se despoja ( Filipenses 2,6ss ) e é despojado de suas vestes na cruz. O Altar – mesa da Eucaristia – só será revestido de toalhas para a nova Ceia do Ressuscitado ... Você mesmo(a) poderá descobrir outros motivos pelos quais se desnuda o Altar.

 

O que celebramos na Sexta-feira Santa  e qual é a cor litúrgica ?

 

Na Sexta-feira Santa não há Eucaristia ( missa ). A cor litúrgica é o vermelho, que lembra a Paixão do Senhor e seu sangue derramado. Normalmente às 15 horas, nas igrejas celebra-se a Paixão do Senhor, com as seguintes partes: Liturgia da Palavra, Adoração da Cruz, Comunhão. Tudo começa com o silêncio ( não há canto de entrada ) e a prostração de quem preside. A Liturgia da Palavra é sempre a mesma: Isaías 52,13-53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1-19,42. Terminada a Leitura da Paixão, vem a Prece Universal e a Adoração da Cruz. A palavra “ adoração” é um tanto imprópria, pois a adoração é dirigida a Jesus. Honramos sua cruz, pois nela que ele nos salvou. A última parte é Comunhão. Há pessoas que preferem não comungar nesse dias. A assembléia se retira em silêncio após ter sido invocada sobre ela a bênção de Deus. Muitas comunidades celebram à noitinha a Via-sacra.

 

 

Um ósculo Santo.

 

Do Diácono Manoel

Para os Ministros da Palavra e da Eucaristia.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE PAPA FRANCISCO - PARTE XI

SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ATUAL
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS

Alguns desafios culturais


 

61. Evangelizamos também procurando enfrentar os diferentes desafios que se nos podem apresentar. Às vezes, estes manifestam-se em verdadeiros ataques à liberdade religiosa ou em novas situações de perseguição aos cristãos, que, nalguns países, atingiram níveis alarmantes de ódio e violência. Em muitos lugares, trata-se mais de uma generalizada indiferença relativista, relacionada com a desilusão e a crise das ideologias que se verificou como reacção a tudo o que pareça totalitário. Isto não prejudica só a Igreja, mas a vida social em geral. Reconhecemos que, numa cultura onde cada um pretende ser portador duma verdade subjectiva própria, torna-se difícil que os cidadãos queiram inserir-se num projecto comum que vai além dos benefícios e desejos pessoais.
62. Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório. O real cede o lugar à aparência. Em muitos países, a globalização comportou uma acelerada deterioração das raízes culturais com a invasão de tendências pertencentes a outras culturas, economicamente desenvolvidas mas eticamente debilitadas. Assim se exprimiram, em distintos Sínodos, os Bispos de vários continentes. Há alguns anos, os Bispos da África, por exemplo, retomando a Encíclica

Sollicitudo rei socialis, assinalaram que muitas vezes se quer transformar os países africanos em meras «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigantesca. Isto verifica-se com frequência também no domínio dos meios de comunicação social, os quais, sendo na sua maior parte geridos por centros situados na parte norte do mundo, nem sempre têm na devida conta as prioridades e os problemas próprios desses países e não respeitam a sua fisionomia cultural». De igual modo, os Bispos da Ásia sublinharam «as influências externas que estão a penetrar nas culturas asiáticas. Vão surgindo formas novas de comportamento resultantes da orientação dos mass-media (…). Em consequência disso, os aspectos negativos dos mass-media e espectáculos estão a ameaçar os valores tradicionais».
 
63. A fé católica de muitos povos encontra-se hoje perante o desafio da proliferação de novos movimentos religiosos, alguns tendentes ao fundamentalismo e outros que parecem propor uma espiritualidade sem Deus. Isto, por um lado, é o resultado duma reacção humana contra a sociedade materialista, consumista e individualista e, por outro, um aproveitamento das carências da população que vive nas periferias e zonas pobres, sobrevive no meio de grandes preocupações humanas e procura soluções imediatas para as suas necessidades. Estes movimentos religiosos, que se caracterizam pela sua penetração subtil, vêm colmar, dentro do individualismo reinante, um vazio deixado pelo racionalismo secularista. Além disso, é necessário reconhecer que, se uma parte do nosso povo baptizado não sente a sua pertença à Igreja, isso deve-se também à existência de estruturas com clima pouco acolhedor nalgumas das nossas paróquias e comunidades, ou à atitude burocrática com que se dá resposta aos problemas, simples ou complexos, da vida dos nossos povos. Em muitas partes, predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização.
 
64. O processo de secularização tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo. Além disso, com a negação de toda a transcendência, produziu-se uma crescente deformação ética, um enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo do relativismo; e tudo isso provoca uma desorientação generalizada, especialmente na fase tão vulnerável às mudanças da adolescência e juventude. Como justamente observam os Bispos dos Estados Unidos da América, enquanto a Igreja insiste na existência de normas morais objectivas, válidas para todos, «há aqueles que apresentam esta doutrina como injusta, ou seja, contrária aos direitos humanos básicos. Tais alegações brotam habitualmente de uma forma de relativismo moral, que se une consistentemente a uma confiança nos direitos absolutos dos indivíduos. Nesta perspectiva, a Igreja é sentida como se estivesse promovendo um convencionalismo particular e interferisse com a liberdade individual». Vivemos numa sociedade da informação que nos satura indiscriminadamente de dados, todos postos ao mesmo nível, e acaba por nos conduzir a uma tremenda superficialidade no momento de enquadrar as questões morais. Por conseguinte, torna-se necessária uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento nos valores.
65. Apesar de toda a corrente secularista que invade a sociedade, em muitos países – mesmo onde o cristianismo está em minoria – a Igreja Católica é uma instituição credível perante a opinião pública, fiável no que diz respeito ao âmbito da solidariedade e preocupação pelos mais indigentes. Em repetidas ocasiões, ela serviu de medianeira na solução de problemas que afectam a paz, a concórdia, o meio ambiente, a defesa da vida, os direitos humanos e civis, etc. E como é grande a contribuição das escolas e das universidades católicas no mundo inteiro! E é muito bom que assim seja. Mas, quando levantamos outras questões que suscitam menor acolhimento público, custa-nos a demonstrar que o fazemos por fidelidade às mesmas convicções sobre a dignidade da pessoa humana e do bem comum.
 
66. A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos. O matrimónio tende a ser visto como mera forma de gratificação afectiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição indispensável do matrimónio à sociedade supera o nível da afectividade e o das necessidades ocasionais do casal. Como ensinam os Bispos franceses, não provém «do sentimento amoroso, efémero por definição, mas da profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida total».
67. O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares. A acção pastoral deve mostrar ainda melhor que a relação com o nosso Pai exige e incentiva uma comunhão que cura, promove e fortalece os vínculos interpessoais. Enquanto no mundo, especialmente nalguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos, nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos «a carregar as cargas uns dos outros» (

Gal 6, 2). Além disso, vemos hoje surgir muitas formas de agregação para a defesa de direitos e a consecução de nobres objectivos. Deste modo se manifesta uma sede de participação de numerosos cidadãos, que querem ser construtores do desenvolvimento social e cultural.


(continua...)

UMA MULHER ASSASSINADA E ARRASTADA


 

(Por Pe. Valdiran Santos, em 22 de março de 2014)

Mais uma tragédia, mais comoção nacional, em breve tudo cai no esquecimento enquanto não aparecer nova vítima.

O que leva homens fardados, pagos com nossos impostos, para nos garantir segurança, tirarem a vida de pessoas inocentes com tanta covardia e crueldade?

Certamente é o preconceito histórico no Brasil,  contra os pobres, vistos como descartáveis, massa sobrante, problema para o capitalismo selvagem, que produz “ricos cada vez mais ricos, ás custas de pobres cada vez mais pobres.”

A sociedade produz os miseráveis e apresenta como solução o extermínio de milhões de seres humanos. Para os que comandam, há gente demais no planeta, é preciso reduzir o número de habitantes que não interessa á globalização da economia, daí a saída é eliminar os pobres de diversas formas.



Percebe-se que o que aconteceu com a Doméstica e auxiliar de serviços-gerais Cláudia da Silva Ferreira, morta após ser baleada e arrastada por 350 metros em viatura da PM no Rio de Janeiro, é um caso típico de preconceito, machismo e racismo exacerbados; basta constatar que se trata de: mulher, negra, favelada, pobre e faxineira. Portanto, vítima de preconceito por sua cor, condição social e gênero.

Ao fazer uma análise do fato, chega-se á conclusão que se trata de um ato covarde e cruel contra um ser humano vulnerável, banalização da vida e abuso de poder.

Politicamente é a irresponsabilidade do Estado, a falência das instituições, abuso de poder, hipocrisia e inércia das autoridades.

Judicialmente; um “Sinédrio” inerte; fomenta a impunidade, legitima a criminalidade, estimula a violência com leis ultrapassadas e injustas.

Fazendo uma leitura teológica; é a antecipação da Sexta-Feira Santa: Jesus é condenado, cruelmente açoitado, despojado de suas vestes, sua dignidade, julgado e condenado injustamente; é arrastado impiedosamente pelas ruas da cidade. Foi condenado inocentemente á Morte! Corpo trucidado, sangue derramado.

Jesus continua morrendo a cada dia em nossa sociedade. Nas vítimas da violência; nas mulheres assassinadas; nos jovens exterminados, nas crianças violentadas; nos idosos massacrados; na cegueira das autoridades. Paixão e Morte de Cristo que se perpetua na Paixão e na Morte do Povo!

E os Fariseus? Continuam a encarar a realidade sarcasticamente! O que importa é acumular, consumir; ter fama, lucro, dinheiro e poder, pois o deus mercado é insaciável!

O ser humano só vale alguma coisa na medida em que consome. O individualismo, o egoísmo, e a ganância são os “valores” impostos pela globalização, como a salvação da humanidade.

O sofrimento dos pobres não existe, aliás, os pobres devem ser eliminados, eles não servem para o sistema! A vida humana não conta, a dor dos outros não significa nada. Nessa aldeia global, a única coisa que tem valor é o lucro.

Caminhamos todos e todas para o abismo. Mas ainda é tempo de reverter á situação caótica em que vivemos. O Evangelho nos dá a dica: “O tempo se cumpriu, e o Reino de Deus está perto. Arrependam-se e acreditem no Evangelho.” (Mc 1,15).

Somente uma verdadeira conversão de mentalidade e de vida, evitará que outras “Claudias” continuem perdendo a vida cruelmente. Sabemos que “Entre a vida e a morte, a vida é mais forte”, e é por isso, que, jamais nos cansaremos de defender a vida, de lutar pela dignidade da vida!

terça-feira, 1 de abril de 2014

POBRE SIM, POBRE NÃO !


Por Pe. Valdiran Santos







Eis a questão que se impõe e merece uma reflexão. Para muitas pessoas dentro da Igreja, falar de pobre, e em pobre é mera ideologia. Entretanto, a Sagrada Escritura põe a categoria pobre no centro da História da Salvação. O Primeiro Testamento é recheado de acontecimentos relacionados aos pobres, os anawis - pobres de Javé, pelos quais, Deus tem um carinho e uma preocupação especiais. Basta ler o texto de Ex 3 e os Profetas, todos eles tomam a defesa dos pobres de uma forma espantosa, uns se destacam mais de que outros, porém, todos mostram a predileção de Deus pelos mais sofridos e abandonados da sociedade.

Bom seria citar todas as passagens bíblicas referentes ao pobre, no entanto, é praticamente impossível pela abundância de textos. Limito-me a citar apenas alguns: “Ele ergue da poeira o fraco e tira do lixo o indigente, fazendo-o sentar-se com os príncipes, ao lado dos príncipes do seu povo.” (Sl 113,7-8); “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos.” (Is 10, 1-2); “Assim diz Javé: por três crimes de Israel e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sandálias; pisoteiam os fracos no chão e desviam os pobres do bom caminho.” (Am 2,6-7); “Inimigos do bem e amantes do mal, vocês esfolam o povo e descarnam seus ossos; vocês são gente que devoram a carne do meu povo e o esfola; quebra seus ossos e os faz em pedaços, como carne na panela, como um cozido no caldeirão.” (Mq 3,2-3).

Creio que esses textos sejam suficientes para entendermos como Deus se coloca ao lado dos pobres. Em hebraico existe a palavra Go’el que significa: Deus é o resgatador do pobre. Daí a riqueza do profetismo de Israel, na denúncia das injustiças, e na cobrança dos poderosos, dos direitos e da dignidade dos pobres.

Jesus segue a mesma linha dos Profetas de Javé, porém de forma mais radical, pois não só toma o partido dos pobres e a sua defesa, mas faz-se pobre ao extremo: “Vocês conhecem a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo; ele, embora fosse rico, se tornou pobre por causa de vocês, para com a sua pobreza enriquecer vocês.” (2Cor 8,9); “Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo.’ (Fl 2,7). Jesus nasceu mais pobre de que os pobres de seu tempo! Viveu entre os mais excluídos e abandonados pelos sistemas político, religioso, social e econômico. Morreu fora da cidade como um amaldiçoado por Deus. Eis a opção radical pelos pobres!

No meio dos pobres, Jesus encontrava o lugar privilegiado da sua missão messiânica: “Nessa hora, Jesus se alegrou no Espírito Santo, e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10,21; Mt 11,25). Jesus orientou a Igreja para cuidar dos pobres, uma vez que eles estão entre nós, e neles Jesus se faz misteriosamente presentes: “Vocês sempre tem os pobres junto de vocês.” (Jo 12,8); o Juízo final, (Mt 25,31-46); o Bom Samaritano, (Lc 10,25-37); o Banquete para os pobres, (Mt 22,2-14; Lc 14,16-24).

A Igreja primitiva, seguindo o exemplo do seu Senhor, não se omitiu em servir e ajudar os pobres: “As orações e esmolas que você fez foram aceitas por Deus em seu favor.” (At 10,4); “A Macedônia e a Acaia resolveram fazer uma coleta em favor dos cristãos pobres de Jerusalém.” (Rm 15,26; 2Cor 8,1-6); “Eles pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado fazer com muito cuidado.” (Gl 2,10);  “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição e manter-se livre da corrupção mundo.” (Tg 1,27); “Se alguém possui os bens deste mundo e, vendo o seu irmão em necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele?” (1Jo 3,17); “Felizes os  mortos, aqueles que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham.” (Ap 14,13).



A Sagrada Tradição da Igreja, vê no pobre, a pessoa de Cristo, o servo sofredor. Por isso, todo cuidado e carinho que a Igreja tem, ao longo dos séculos com os pobres e excluídos: "O pão que para ti sobra é o pão do faminto. A roupa que guardas mofando é a roupa de quem está nu. Os sapatos que não usas são os sapatos dos que andam descalços. O dinheiro que escondes é o dinheiro do pobre. As obras de caridade que não praticas são outras tantas injustiças que cometes. Quem acumula mais que o necessário pratica crime." (São Basílio, 330-379); "Feliz aquele que põe acima de todos os tesouros do mundo a ordem de Jesus: 'Vai, vende o que tens e dá aos pobres.'" (São Basílio, 330-379); "Jesus não nasceu no lugar sagrado do Templo, onde o ouro, as pedras preciosas e a prata reluziam; ele nasceu numa estrebaria, para reerguer os que jazem no meio do esterco." (São Jerônimo, 331-419; Homilia sobre o Natal); "As riquezas são injustas porque são fruto da miséria dos outros." (São Jerônimo, 331-419); "A solidariedade com o pobre é lei de Deus, não um mero conselho." (São Gregório de Nissa, 335-385); "Nabot não foi o único pobre assassinado. Todo dia um Nabot cai ao solo; todo dia um Nabot é assassinado...
Tu não estás dando ao pobre o que é teu, mas lhe devolves o que é dele. Pois o que é comum e foi dado a todos, tu o estás usurpando sozinho. A terra pertence a todos e não apenas aos ricos. Infelizmente, são pouquíssimo os que podem usufruir a terra." (Santo Ambrósio, 339-397, Comentário a 1Reis 21); "Tu vais participar da eucaristia? Então, não humilhes teu irmão. Não desprezes o faminto... Tu fazes memória de Cristo e desprezas o pobre? Tu não ficas horrorizado? Bebeste o Sangue do Senhor e não reconheces teu irmão? Ainda que o tenhas desconhecido antes, deves reconhecê-lo nesta mesa... Tu, que recebeste o pão da vida, não faças obra de morte." (São João Crisóstomo, 344-407; Comentário a 1Coríntios 11,17-34); “Tu, que revestes tua cama de prata e de ouro o teu cavalo, se te pedirem conta e explicações de tanta riqueza, que razão alegarás? Quando tu já estiverdes morto, as pessoas que passarem diante de teu palácio, vendo o tamanho e o luxo, dirão ao seu vizinho: 'ao preço de quantas lágrimas foi edificado este palácio? De quantos órfãos deixados nus? De quantas viúvas injustiçadas? De quantos operários espoliados de seu salário?' Sim, nem morto escaparás das acusações." (São João Crisóstomo, 344-407; Comentário ao Salmo 49); "A ajuda aos pobres é mais importante que o jejum e a virgindade, pois abraça o povo de Jesus Cristo." "Como tu, rico, que acumulaste tua riqueza pisando sobre o pobre, ainda tens a coragem de entrar na Igreja?" (São João Crisóstomo, 344-407); "Justiça é ajudar aos necessitados. Exercei a justiça e terás a paz!" (Santo Agostinho, 354-430).

O pobre é sem dúvida, o lugar teológico da revelação de Deus em Jesus Cristo. Por isso, a Igreja, jamais abandonará os pobres e deserdados da terra. Isso não se trata de ideologia, mas de vivência radical do Evangelho. Pois “Eu garanto a vocês: Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram.” (Mt 25,40).

“Quando eu ia confessar, eu muitas vezes colocava esta questão: ‘Você dá esmolas?’ ‘Sim, padre’ ‘Ah, muito bem, muito bem’ E perguntava ainda outras coisas: ‘Me diga, quando você dá esmolas, será que você olha nos olhos daquele a quem você doa?’ ‘Ah, não sei, não me dei conta disso’ Segunda pergunta: ‘E, quando dá esmola, toca a mão daquele a quem está dando a esmola, ou lhe joga a moeda?’ Este é o problema, a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, carregar os ombros esta dor.” (Papa Francisco)

“Desejo uma Igreja pobre, com os pobres, nas periferias. A Igreja precisa curar todas as feridas, aquecer os corações dos fiéis, estar próxima do povo e com os pobres e ser como o bom samaritano”. (Papa Francisco)

“Quem toca no pobre, no doente, no aflito, toca a carne de Cristo. Jesus se fez carne no pobre”.  (Papa Francisco)

“Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e estruturas econômicas injustas, que originam as grandes desigualdades.” (Papa Francisco)

“Os alimentos que se joga no lixo são alimentos que se roubam da mesa do pobre, do que tem fome.” (Papa Francisco)

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.” (Dom Hélder Câmara)