quarta-feira, 30 de julho de 2014

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE PAPA FRANCISCO - PARTE XVII

SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ATUAL
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS



Capítulo III

O ANÚNCIO DO EVANGELHO

110. Depois de considerar alguns desafios da realidade actual, quero agora recordar o dever que incumbe sobre nós em toda e qualquer época e lugar, porque «não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor» e sem existir uma «primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização». Recolhendo as preocupações dos Bispos asiáticos, João Paulo II afirmou que, se a Igreja «deve realizar o seu destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade absoluta». Isto é válido para todos. 1. Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho

111. A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus. Trata-se certamente de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional. Proponho que nos detenhamos um pouco nesta forma de compreender a Igreja, que tem o seu fundamento último na iniciativa livre e gratuita de Deus. Um povo para todos

112. A salvação, que Deus nos oferece, é obra da sua misericórdia. Não há acção humana, por melhor que seja, que nos faça merecer tão grande dom. Por pura graça, Deus atrai-nos para nos unir a Si. Envia o seu Espírito aos nossos corações, para nos fazer seus filhos, para nos transformar e tornar capazes de responder com a nossa vida ao seu amor. A Igreja é enviada por Jesus Cristo como sacramento da salvação oferecida por Deus. Através da sua acção evangelizadora, ela colabora como instrumento da graça divina, que opera incessantemente para além de toda e qualquer possível supervisão. Bem o exprimiu Bento XVI, ao abrir as reflexões do Sínodo: «É sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a actividade verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só implorando esta iniciativa divina, nos podemos tornar também – com Ele e n'Ele – evangelizadores». O princípio da primazia da graça deve ser um farol que ilumine constantemente as nossas reflexões sobre a evangelização.

113. Esta salvação, que Deus realiza e a Igreja jubilosamente anuncia, é para todos, e Deus criou um caminho para Se unir a cada um dos seres humanos de todos os tempos. Escolheu convocá-los como povo, e não como seres isolados. Ninguém se salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Deus atrai-nos, no respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade humana supõe. Este povo, que Deus escolheu para Si e convocou, é a Igreja. Jesus não diz aos Apóstolos para formarem um grupo exclusivo, um grupo de elite. Jesus diz: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28, 19). São Paulo afirma que no povo de Deus, na Igreja, «não há judeu nem grego (...), porque todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3, 28). Eu gostaria de dizer àqueles que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor!

114. Ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projecto de amor do Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, dêem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho.

Um povo com muitos rostos


115. Este Povo de Deus encarna-se nos povos da Terra, cada um dos quais tem a sua cultura própria. A noção de cultura é um instrumento precioso para compreender as diversas expressões da vida cristã que existem no povo de Deus. Trata-se do estilo de vida que uma determinada sociedade possui, da forma peculiar que têm os seus membros de se relacionar entre si, com as outras criaturas e com Deus. Assim entendida, a cultura abrange a totalidade da vida dum povo. Cada povo, na sua evolução histórica, desenvolve a própria cultura com legítima autonomia. Isso fica-se a dever ao facto de que a pessoa humana, «por sua natureza, necessita absolutamente da vida social» e mantém contínua referência à sociedade, na qual vive uma maneira concreta de se relacionar com a realidade. O ser humano está sempre culturalmente situado: «natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas». A graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe.

116. Ao longo destes dois milénios de cristianismo, uma quantidade inumerável de povos recebeu a graça da fé, fê-la florir na sua vida diária e transmitiu-a segundo as próprias modalidades culturais. Quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho. E assim, como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural, mas «permanecendo o que é, na fidelidade total ao anúncio evangélico e à tradição da Igreja, o cristianismo assumirá também o rosto das diversas culturas e dos vários povos onde for acolhido e se radicar». Nos diferentes povos, que experimentam o dom de Deus segundo a própria cultura, a Igreja exprime a sua genuína catolicidade e mostra «a beleza deste rosto pluriforme». Através das manifestações cristãs dum povo evangelizado, o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspectos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto. Pela inculturação, a Igreja «introduz os povos com as suas culturas na sua própria comunidade», porque «cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido». Assim, «a Igreja, assumindo os valores das diversas culturas, torna-se sponsa ornata monilibus suis, a noiva que se adorna com suas jóias (cf. Is 61, 10)».

117. Se for bem entendida, a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja. É o Espírito Santo, enviado pelo Pai e o Filho, que transforma os nossos corações e nos torna capazes de entrar na comunhão perfeita da Santíssima Trindade, onde tudo encontra a sua unidade. O Espírito Santo constrói a comunhão e a harmonia do povo de Deus. Ele mesmo é a harmonia, tal como é o vínculo de amor entre o Pai e o Filho. É Ele que suscita uma abundante e diversificada riqueza de dons e, ao mesmo tempo, constrói uma unidade que nunca é uniformidade, mas multiforme harmonia que atrai. A evangelização reconhece com alegria estas múltiplas riquezas que o Espírito gera na Igreja. Não faria justiça à lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico. É verdade que algumas culturas estiveram intimamente ligadas à pregação do Evangelho e ao desenvolvimento do pensamento cristão, mas a mensagem revelada não se identifica com nenhuma delas e possui um conteúdo transcultural. Por isso, na evangelização de novas culturas ou de culturas que não acolheram a pregação cristã, não é indispensável impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que seja, juntamente com a proposta do Evangelho. A mensagem, que anunciamos, sempre apresenta alguma roupagem cultural, mas às vezes, na Igreja, caímos na vaidosa sacralização da própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico ardor evangelizador.

118. Os Bispos da Oceânia pediram que a Igreja neste continente «desenvolva uma compreensão e exposição da verdade de Cristo partindo das tradições e culturas locais», e instaram todos os missionários «a trabalhar de harmonia com os cristãos indígenas para garantir que a doutrina e a vida da Igreja sejam expressas em formas legítimas e apropriadas a cada cultura». Não podemos pretender que todos os povos dos vários continentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as modalidades adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da história, porque a fé não se pode confinar dentro dos limites de compreensão e expressão duma cultura. É indiscutível que uma única cultura não esgota o mistério da redenção de Cristo.

(...continua)

A IGREJA DO PAPA FRANCISCO - Parte I

UM PEQUENO DECÁLOGO 

Artigo de Victor Codina

“Devemos afirmar que é uma ilusão pensar que as reformas e mudanças eclesiais vêm exclusivamente de cima. A história nos ensina que as grandes transformações da Igreja (como também da sociedade...) surgiram debaixo para cima, a partir de onde ordinariamente age o Espírito: desde os leigos, os pobres, as mulheres, a gente marginalizada. Cabe a todos renovar e reformar a Igreja a partir do Evangelho, convertendo-nos a Jesus de Nazaré e ao seu Reino. Sem a cooperação e a iniciativa da base, a Igreja nunca vai mudar.”
A reflexão é do teólogo jesuíta Víctor Codina, em artigo publicado no sítio espanhol Religión Digital, 20-07-2014. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.

Em 28 de fevereiro de 2013, Bento XVI abandonava o Vaticano, de helicóptero, para dirigir-se a Castel Gandolfo. Começava, assim, na Igreja católica o tempo chamado sede vacante, que terminou no dia 13 de março de 2013 com a eleição de Jorge Mario Bergoglio como Papa Francisco.



Mas, esta viagem de Bento XVI a Castel Gandolfo não encerrava apenas o seu pontificado, nem significava apenas uma substituição no Vaticano, mas suporia uma profunda mudança eclesial.
Para compreender esta afirmação devemos nos remontar ao tempo de João XXIII e à convocação do Concílio Vaticano II, em 1959. O Vaticano II (1962-1965) significou o “réquiem do constantinismo”, ou seja, a superação do estilo de Igreja da cristandade vigente desde o século IV e que se reforçou e consolidou no tempo de Gregório VII: uma Igreja convertida em uma grande instituição clerical, centralizada em Roma, fechada ao mundo, única âncora de salvação, uma espécie de grande pirâmide monárquica e vertical, triunfalista e dominadora.
Vaticano II oferece outra imagem de Igreja, Povo de Deus, que caminha com toda a humanidade rumo ao Reino de Deus, que respeita a liberdade religiosa e reconhece que o Espírito do Senhor dirige não apenas a Igreja católica, mas todas as Igrejas cristãs e todas as religiões e todos os povos para a salvação. Daí nasceu a índole misericordiosa, esperançosa e dialogante do Vaticano II, frente ao dogmatismo intransigente e inquisitorial da Igreja cristandade. Foi um verdadeiro Pentecostes, como João XXIII havia desejado e pedido.
Mas, este concílio inaugurado por João XXIII e encerrado por Paulo VI logo suscitou suspeitas, reações contrárias e medos. Criticaram-se os abusos e exageros cometidos em nome do concílio, temia-se a perda da identidade eclesial, preocupava o fato de que se pudesse chegar a uma ruptura e a uma divisão eclesial, eclodiram sentimentos de saudade da velha e tradicional Igreja da Cristandade, a Igreja das catedrais e das Sumas Teológicas...
Isto explica que os últimos anos do pontificado de Paulo VI (alguns acreditam que já a partir da publicação da Encíclica Humanae Vitae sobre a “pílula”, em 1968) e, sobretudo, nos pontificados de João Paulo II e Bento XVI, realizaram-se uma leitura e uma hermenêutica do Vaticano II mais em continuidade com a tradição anterior do que com a novidade e o aggiornamento que havia impulsionado o bom Papa João. A partir de então o impulso conciliador se diluiu e houve freios em todas as instâncias (liturgia, ecumenismo, colegialidade episcopal, autonomia das Igrejas locais, responsabilidade laical, profetismo da vida religiosa, novos sinais dos tempos, novas teologias, inculturação...) e se passou da primavera conciliar ao inverno eclesial.

Sem dúvida, João Paulo II teve um grande dinamismo geopolítico e queria reformar a Igreja e implantar o concílio, mas mantendo inalterada a doutrina e a estrutura eclesial existente. Não é casual que o Papa polonês fizesse parte do grupo minoritário do Vaticano II que dissentia de muitas das propostas conciliares e defendia a chamada “linha cracoviense”.Ratzinger por sua vez, apoiou teologicamente o pontificado de João Paulo II e uma vez eleito pontífice como Bento XVI buscou, sem dúvida, uma renovação eclesial, mas a partir de uma filosofia e uma teologia tão ortodoxas e racionais que fechavam o caminho para uma real inovação na Igreja.

Seria falso deduzir do que foi dito anteriormente que o Vaticano II não produziu frutos positivos, mesmo em meio ao inverno eclesial. Assim como seria falso acreditar que na época da Cristandade não houve grandes elementos de vida e santidade. O Espírito não deixa de vivificar sempre a Igreja e suscita continuamente movimentos de reforma e de retorno ao Evangelho: nunca na Igreja faltaram santos e santas, profetas e místicos, reformadores e renovadores. Mas não se pode ocultar que as consequências eclesiais da postura neoconservadora do pós-concílio foram funestas. Bento XVI, comentando o episódio evangélico da tempestade acalmada, confessava:
“Também hoje a barca da Igreja com o vento contrário da história, navega pelo oceano agitado do tempo. Tem-se muitas vezes a impressão de que está para se afundar. Mas o Senhor está presente”.
Na realidade, não era apenas o vento adverso da história que sacudia a barca eclesial, mas a própria estrutura da barca, muito pesada e com muitas rachaduras. Se a isto acrescentarmos os abusos sexuais do clero e os escândalos econômicos do Banco Vaticano, compreender-se-á o descrédito a que havia chegado a Igreja e o êxodo crescente de fiéis que abandonaram a Igreja. Não é estranho que Bento XVI, com grande humildade, realismo e coragem, renunciasse e afirmasse: “Já não tenho mais forças”.

(...continua)

terça-feira, 1 de julho de 2014

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE PAPA FRANCISCO - PARTE XVI

SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ATUAL
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS


Outros desafios eclesiais


102. A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados. Cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja. Embora não suficiente, pode-se contar com um numeroso laicado, dotado de um arreigado sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da celebração da fé. Mas, a tomada de consciência desta responsabilidade laical que nasce do Baptismo e da Confirmação não se manifesta de igual modo em toda a parte; nalguns casos, porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, noutros por não encontrar espaço nas suas Igrejas particulares para poderem exprimir-se e agir por causa dum excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões. Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflecte na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e económico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral.
103. A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade. Vejo, com prazer, como muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes, contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho» e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais.
104. As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente. O sacerdócio reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a potestade sacramental com o poder. Não se esqueça que, quando falamos da potestade sacerdotal, «estamos na esfera da


função e não na da dignidade e da santidade». O sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande dignidade vem do Baptismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque por cima dos demais. Na Igreja, as funções «não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros». Com efeito, uma mulher, Maria, é mais importante do que os Bispos. Mesmo quando a função do sacerdócio ministerial é considerada «hierárquica», há que ter bem presente que «se ordena integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo». A sua pedra de fecho e o seu fulcro não são o poder entendido como domínio, mas a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é sempre um serviço ao povo. Aqui está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja.

105. A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens habitualmente não encontram respostas para as suas preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos, custa-nos ouvi-los com paciência, compreender as suas preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas educacionais não produzem os frutos esperados. A proliferação e o crescimento de associações e movimentos predominantemente juvenis podem ser interpretados como uma acção do Espírito que abre caminhos novos em sintonia com as suas expectativas e a busca de espiritualidade profunda e dum sentido mais concreto de pertença. Todavia é necessário tornar mais estável a participação destas agregações no âmbito da pastoral de conjunto da Igreja.
106. Embora nem sempre seja fácil abordar os jovens, houve crescimento em dois aspectos: a consciência de que toda a comunidade os evangeliza e educa, e a urgência de que eles tenham um protagonismo maior. Deve-se reconhecer que, no actual contexto de crise do compromisso e dos laços comunitários, são muitos os jovens que se solidarizam contra os males do mundo, aderindo a várias formas de militância e voluntariado. Alguns participam na vida da Igreja, integram grupos de serviço e diferentes iniciativas missionárias nas suas próprias dioceses ou noutros lugares. Como é bom que os jovens sejam «caminheiros da fé», felizes por levarem Jesus Cristo a cada esquina, a cada praça, a cada canto da terra!



107. Em muitos lugares, há escassez de vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Frequentemente isso fica-se a dever à falta de ardor apostólico contagioso nas comunidades, pelo que estas não entusiasmam nem fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes não são muito disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que desperta o desejo de se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização, especialmente se essa comunidade vivente reza insistentemente pelas vocações e tem a coragem de propor aos seus jovens um caminho de especial consagração. Por outro lado, apesar da escassez vocacional, hoje temos noção mais clara da necessidade de melhor selecção dos candidatos ao sacerdócio. Não se podem encher os seminários com qualquer tipo de motivações, e menos ainda se estas estão relacionadas com insegurança afectiva, busca de formas de poder, glória humana ou bem-estar económico.
108. Como já disse, não pretendi oferecer um diagnóstico completo, mas convido as comunidades a completarem e a enriquecerem estas perspectivas a partir da consciência dos desafios próprios e das comunidades vizinhas. Espero que, ao fazê-lo, tenham em conta que, todas as vezes que intentamos ler os sinais dos tempos na realidade actual, é conveniente ouvir os jovens e os idosos. Tanto uns como outros são a esperança dos povos. Os idosos fornecem a memória e a sabedoria da experiência, que convida a não repetir tontamente os mesmos erros do passado. Os jovens chamam-nos a despertar e a aumentar a esperança, porque trazem consigo as novas tendências da humanidade e abrem-nos ao futuro, de modo que não fiquemos encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo actual.
109. Os desafios existem para ser superados. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária!
(continua...)