quarta-feira, 14 de maio de 2014

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE PAPA FRANCISCO - PARTE XIII

SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ATUAL
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
 
 



2. Tentações dos agentes pastorais






76. Sinto uma enorme gratidão pela tarefa de quantos trabalham na Igreja. Não quero agora deter-me na exposição das actividades dos vários agentes pastorais, desde os Bispos até ao mais simples e ignorado dos serviços eclesiais. Prefiro reflectir sobre os desafios que todos eles enfrentam no meio da cultura globalizada actual. Mas, antes de tudo e como dever de justiça, tenho a dizer que é enorme a contribuição da Igreja no mundo actual. A nossa tristeza e vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor: ajudam tantas pessoas seja a curar-se seja a morrer em paz em hospitais precários, acompanham as pessoas que caíram escravas de diversos vícios nos lugares mais pobres da terra, prodigalizam-se na educação de crianças e jovens, cuidam de idosos abandonados por todos, procuram comunicar valores em ambientes hostis, e dedicam-se de muitas outras maneiras que mostram o imenso amor à humanidade inspirado por Deus feito homem. Agradeço o belo exemplo que me dão tantos cristãos que oferecem a sua vida e o seu tempo com alegria. Este testemunho faz-me muito bem e me apoia na minha aspiração pessoal de superar o egoísmo para uma dedicação maior.
77. Apesar disso, como filhos desta época, todos estamos de algum modo sob o influxo da cultura globalizada actual, que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos. Reconheço que precisamos de criar espaços apropriados para motivar e sanar os agentes pastorais, «lugares onde regenerar a sua fé em Jesus crucificado e ressuscitado, onde compartilhar as próprias questões mais profundas e as preocupações quotidianas, onde discernir em profundidade e com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência, com o objectivo de orientar para o bem e a beleza as próprias opções individuais e sociais». Ao mesmo tempo, quero chamar a atenção para algumas tentações que afectam, particularmente nos nossos dias, os agentes pastorais.






Sim ao desafio duma espiritualidade missionária







78. Hoje nota-se em muitos agentes pastorais, mesmo pessoas consagradas, uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais de autonomia e relaxamento, que leva a viver os próprios deveres como mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria identidade. Ao mesmo tempo, a vida espiritual confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante rezem – uma acentuação do


individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si.



79. A cultura mediática e alguns ambientes intelectuais transmitem, às vezes, uma acentuada desconfiança quanto à mensagem da Igreja, e um certo desencanto. Em consequência disso, embora rezando, muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a sua identidade cristã e as suas convicções. Gera-se então um círculo vicioso, porque assim não se sentem felizes com o que são nem com o que fazem, não se sentem identificados com a missão evangelizadora, e isto debilita a entrega. Acabam assim por sufocar a alegria da missão numa espécie de obsessão por serem como todos os outros e terem o que possuem os demais. Deste modo, a tarefa da evangelização torna-se forçada e dedica-se-lhe pouco esforço e um tempo muito limitado.
80. Nos agentes pastorais, independentemente do estilo espiritual ou da linha de pensamento que possam ter, desenvolve-se um relativismo ainda mais perigoso que o doutrinal. Tem a ver com as opções mais profundas e sinceras que determinam uma forma de vida concreta. Este relativismo prático é agir como se Deus não existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não existissem. É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de sólidas convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair num estilo de vida que os leva a agarrarem-se a seguranças económicas ou a espaços de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão. Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!


 

Não à acédia egoísta
 
 


81. Quando mais precisamos dum dinamismo missionário que leve sal e luz ao mundo, muitos leigos temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre. Hoje, por exemplo, tornou-se muito difícil nas paróquias conseguir catequistas que estejam preparados e perseverem no seu dever por vários anos. Mas algo parecido acontece com os sacerdotes que se preocupam obsessivamente com o seu tempo pessoal. Isto, muitas vezes, fica-se a dever a que as pessoas sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna completos e fecundos. Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora.
82. O problema não está sempre no excesso de actividades, mas sobretudo nas actividades mal vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a acção e a torne desejável. Daí que as obrigações cansem mais do que é razoável, e às vezes façam adoecer. Não se trata duma fadiga feliz, mas tensa, gravosa,


desagradável e, em definitivo, não assumida. Esta acédia pastoral pode ter origens diversas: alguns caem nela por sustentarem projectos irrealizáveis e não viverem de bom grado o que poderiam razoavelmente fazer; outros, por não aceitarem a custosa evolução dos processos e querem que tudo caia do Céu; outros, por se apegarem a alguns projectos ou a sonhos de sucesso cultivados pela sua vaidade; outros, por terem perdido o contacto real com o povo, numa despersonalização da pastoral que leva a prestar mais atenção à organização do que às pessoas, acabando assim por se entusiasmarem mais com a «tabela de marcha» do que com a própria marcha; outros ainda caem na acédia, por não saberem esperar e quererem dominar o ritmo da vida. A ânsia hodierna de chegar a resultados imediatos faz com que os agentes pastorais não tolerem facilmente tudo o que signifique alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica, uma cruz.



83. Assim se gera a maior ameaça, que «é o pragmatismo cinzento da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando na mesquinhez». Desenvolve-se a psicologia do túmulo, que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu. Desiludidos com a realidade, com a Igreja ou consigo mesmos, vivem constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa, sem esperança, que se apodera do coração como «o mais precioso elixir do demónio». Chamados para iluminar e comunicar vida, acabam por se deixar cativar por coisas que só geram escuridão e cansaço interior e corroem o dinamismo apostólico. Por tudo isto, permiti que insista: Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização!

(CONTINUA...)


 






 

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