Artigo de Victor Codina
A Igreja do Papa Francisco
A Igreja do Papa Francisco
Depois de um ano, qual é o balanço do pontificado de Francisco, qual é a imagem da
Igreja de Francisco que vai se desenhando? Quais são as características
da Igreja segundo Francisco?
Apresentamos um pequeno decálogo.
1. De uma Igreja poderosa, distante, fria, endurecida, medrosa,
reacionária, da qual as pessoas se afastam e abandonam... a uma Igreja pobre,
simples, próxima, acolhedora, sincera, realista, que promove a cultura do encontro e da ternura. O novo Bispo de Roma, Francisco, reconhece-se pecador
e pede orações; recorda que a Igreja necessita de uma conversão e uma contínua
reforma evangélica, uma reforma à moda Francisco
de Assis.
2. De uma Igreja moralista obsessivamente preocupada com o
aborto, com o controle de natalidade, com o casamento homossexual... a uma
Igreja que vai ao essencial, que se centra em Jesus
Cristo contemplado e adorado,
recupera o Evangelho, anuncia a grande Boa Notícia da salvação em Cristo, pois Jesus é o único que atrai; quer difundir o
cheiro do Evangelho de Jesus,
pede aos jovens que não se envergonhem de ser cristãos, que coloquem Jesus Cristo no centro das suas vidas, a fé em Jesus Cristo é coisa séria, não uma fé
descafeinada. Não pode ser um cristianismo de meras devoções, sem Jesus. O
Papa, assim como Pedro,
não tem ouro nem prata, mas traz o mais valioso: Jesus Cristo, Ele é a única
riqueza. Mas um Jesus Cristo morto e ressuscitado; não se deve
ficar no sepulcro, não se deve ser cristão de quaresma sem Páscoa... A alegria
do Evangelho enche o coração de todos os que se encontram com Jesus.
3. De uma Igreja centrada no pecado e que fez do sacramento da
confissão uma tortura e converteu o acesso aos sacramentos em uma alfândega
inquisitorial... a uma Igreja da misericórdia de Deus, da ternura, da
compaixão, com entranhas maternais, que reflete a misericórdia do Pai, uma
Igreja sobretudo hospital de campanha que cura feridas de emergência, que
cuida da criação, na qual os sacramentos são para todos, não só para os
perfeitos. A convocação de um Sínodo sobre a Família e o questionário que enviou e que
trata de temas pastorais urgentes como a situação dos divorciados recasados, a
união de homossexuais, as relações pré-matrimoniais, o controle de natalidade e
o magistério sobre a moral sexual... indica que há um desejo de ampliar o campo
da misericórdia e estendê-lo a todas as situações conflitivas.
4. De uma Igreja centrada nela mesma, autorrefencial, preocupada
com o proselitismo... a uma Igreja dos pobres preocupada sobretudo com a dor e
o sofrimento humano, a guerra, a fome, o desemprego juvenil, os anciãos, onde
os últimos sejam os primeiros, onde não se possa servir a Deus e ao dinheiro;
uma Igreja profética, livre em relação aos poderes deste mundo; na Evangelii Gaudium afirma que o atual sistema econômico
baseado na idolatria do dinheiro é injusto, pois enriquece alguns poucos e
converte uma grande maioria em massas sobrantes, é um sistema excludente que
mata; por isso, lança um “não” a uma economia de exclusão, um “não” à nova
idolatria do dinheiro, um “não” ao dinheiro que governa em vez de servir, um
“não” à desigualdade que gera violência. Em Lampedusa,
critica a atitude dos países ricos em relação aos emigrantes africanos e
asiáticos, muitos dos quais morrem na tentativa de chegar às costas europeias:
é uma vergonha, vivemos na bolha do consumo e com o coração anestesiado diante
do sofrimento alheio; no Brasil,
diz aos jovens que arrumem confusão e sejam revolucionários em busca de um
mundo melhor e mais justo; afirma que as confissões religiosas do mundo inteiro
devem unir-se para resolver o problema da fome e da falta de educação...
5. De uma Igreja fechada em si mesma, relíquia do passado, com
tendência a olhar para o próprio umbigo, com sabor de estufa, que espera que os
outros venham até ela... a uma Igreja que sai às ruas, “rueia a fé”, vai às
margens sociais e existenciais, às fronteiras, aos que estão longe, mesmo sob o
risco de sofrer acidentes; não teme uma Igreja minoritária e pequena, contanto
que seja semente e fermento, que abra caminhos novos, que vá sem medo para
servir, uma Igreja ao ar livre, que sai às sarjetas do mundo, uma Igreja em
estado de missão.
6. De uma Igreja que discrimina os que pensam diferente, os
diversos, os outros... a uma Igreja que respeita os que seguem sua própria
consciência, as outras religiões, os ateus, os homossexuais, dialoga com não
crentes, com judeus, nossos irmãos maiores, uma Igreja de portas abertas,
atenta aos novos sinais dos tempos.
7. De uma Igreja com tendência restauracionista e que tem
saudades do passado... a uma Igreja que considera que o Vaticano II é irreversível, que é preciso
implantar suas intuições sobre a colegialidade, evitar o centralismo e o
autoritarismo no governo, caminhar em meio às diferenças. O próprio título deBispo
de Roma é uma confirmação da
colegialidade episcopal, dacolegialidade com seus irmãos bispos. O Papa
reconhece que não tem resposta para todas as questões, que é preciso reformar o
papado, que é preciso dar responsabilidades aos leigos, dar maior protagonismo
à mulher, desclericalizar a Igreja, pois o clericalismo não é cristão.
8. De uma Igreja com pastores fechados em suas paróquias,
clérigos de despacho, que buscam fazer carreira, que estão no laboratório e às
vezes acabam sendo colecionadores de antiguidades, com bispos que sempre estão
nos aeroportos... a pastores que cheiram a ovelha,
que caminham na frente, atrás e no meio do povo; o carreirismo é a lepra do
papado, a cúria é vaticanocêntricae
facilmente transfere sua visão ao mundo.
9. De uma Igreja envelhecida, triste, com gente com cara de
cadáver ou com sorriso de aeromoça... a uma Igreja jovem e alegre, fermento na
sociedade, com a alegria e a liberdade do Espírito, com luz e transparência,
sem nada a ocultar, com flores na janela e cheiro de lar, onde os jovens sejam
protagonistas, pois são como a menina dos olhos da Igreja.
10. De uma Igreja ONG piedosa, clerical, machista, monolítica,
narcisista... a uma Igreja Casa e Povo de Deus, mesa mais que estrado, que
respeita a diversidade, onde os leigos, as mulheres, as famílias
jogam um papel relevante. É a Igreja de Aparecida,
de discípulos e missionários para que os nossos povos em Cristo tenham vida, uma casa eclesial onde
reina a alegria.
Na realidade, depois de um ano de sua gestão pastoral como Bispo de Roma podemos afirmar
que com Francisco retomou-se o Vaticano II que havia ficado de algum modo
silenciado e estacionado. Não inventa nada de novo, reassume o impulso
pentecostal do Vaticano II.
A Igreja do Papa Francisco no fundo é a Igreja do Vaticano II, a mesma Igreja que
sonhou João XXIII e que até agora havia sido fortemente
freada e diluída. Volta a renascer uma primavera eclesial.
Não é pura casualidade que Bergoglio provenha da América Latina, uma Igreja
que recebeu o Vaticano II com grande criatividade e
profundidade: a Igreja deMedellín e Aparecida, a Igreja com alguns
bispos verdadeiros Santos Padres da Igreja dos pobres – como Helder Câmara e Romero –, a Igreja das comunidades de base,
da Bíblia devolvida ao povo, a Igreja da profunda religiosidade popular dos
pobres, a Igreja de leigos comprometidos com a justiça e com a pastoral, a Igreja
de uma vida religiosa inserida entre os pobres, a Igreja de numerosos mártires
assassinados por defenderem a fé e a justiça.
Questionamentos e interrogações
É muito o que o Papa Francisco realizou em seu primeiro ano de pontificado, mas é muito o que ainda resta por fazer. Cabe a Francisco levar a término questões que o Concílio iniciou, mas não chegou a concretizar, como o modo de eleição dos bispos, fazer que os sínodos sejam não apenas consultivos, mas deliberativos, favorecer a autonomia e a responsabilidade das Igrejas locais...
E enfrentar o que o Vaticano
II não tratou, mas que são
tarefas e desafios urgentes: reforma do papado e da cúria, abandono de
chefatura do Estado Vaticano,
mudar o modo de eleição do Papa, revisão da estrutura de cardeais e núncios,
abandonar o episcopado honorífico e sem diocese real dos dirigentes dos
dicastérios da cúria, repensar o papel da mulher na Igreja, promover a
ordenação de homens casados, revisar a moral sexual e matrimonial, a pastoral
com os divorciados recasados, o problema da homossexualidade, a relação com os
teólogos, assumir o grande desafio ecológico...
Acrescentemos a tudo isso a necessidade de responder à
problemática religiosa e espiritual que surge do novo contexto sócio-cultural,
científico e técnico do mundo de hoje, do novo tempo axial que está aparecendo
com paradigmas que rompem os esquemas religiosos provenientes do neolítico –
centrados no sacerdote, no altar e no sacrifício –, reagir diante das novas
formas de espiritualidade e de agnosticismo, etc. Atualmente, o problema já não
é, como noVaticano II, perguntar: “Igreja, o que dizes de ti mesma”, mas
“Igreja, o que dizes sobre o mistério de Deus”
Poderá um só homem levar a cabo estas reformas tão necessárias e
urgentes? Não é carga excessiva para o primado de Pedro? Não deveria ser uma
tarefa colegial de todos os bispos, mais ainda de toda a Igreja? Não é o
próprioFrancisco quem nos
pede que todos sejam “audazes e criativos”?
Devemos afirmar que é uma ilusão pensar que as reformas e
mudanças eclesiais vêm exclusivamente de cima. A história nos ensina que as
grandes transformações da Igreja (como também da sociedade...) surgiram debaixo
para cima, a partir de onde ordinariamente age o Espírito: desde os leigos, os
pobres, as mulheres, a gente marginalizada. Cabe a todos renovar e reformar a
Igreja a partir do Evangelho, convertendo-nos a Jesus de Nazaré e ao seu Reino. Sem a cooperação e a
iniciativa da base, a Igreja nunca vai mudar.
Fonte: http://bit.ly/1pbDEI3
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Enquanto agradecemos ao Senhor pelo grande dom doPapa
Francisco que devolveu a
alegria à Igreja, estejamos dispostos a colaborar na renovação da Igreja. O Papa Franciscojá nos abriu o
caminho.
Terminamos com uma poesia de Rafael
Alberti(1902-1999), poeta espanhol, na qual simula um diálogo entre a
estátua de bronze de Pedro doVaticano e o Senhor:
“Diz, Jesus Cristo
Por que me beijam tanto os pés?
Sou São Pedro aqui sentado,
em bronze imobilizado,
não posso olhar para o lado nem dar um pontapé,
pois tenho os pés gastados, como vês.
Faz um milagre, Senhor.
Deixa-me descer ao rio
voltar a ser pescador
que é o que sou”.
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